Para Hobbes, a ausência de um poder coercitivo capaz de atemorizar aqueles que querem impor suas vontades, como se estivesse no estado natural de sua existência, acarreta a guerra de todos contra todos. Ele propõe um direito civil que garanta a paz. Na sua obra Leviatã, enfatiza que esse desejo de paz leva os homens a formar um contrato, o qual permite eleger um soberano para governar suas vidas definindo o direito e a justiça. Tal poder soberano é imprescindível para resolver as controvérsias. Sob seu ponto de vista, a insegurança causada pelo estado de guerra de todos contra todos chega a níveis tais que é mais seguro exigir uma força disciplinadora.
Rousseau tem opinião semelhante à de Hobbes, porém, amplia a concepção de pacto social e sua conceituação. Afirma ele que o homem civil, o cidadão, para consolidar sua liberdade moral, tem necessidade de eliminar em si a liberdade natural, responsável pelos distúrbios em sociedade. Em outras palavras, deve abdicar dos impulsos naturais em detrimento dos lastros morais impostos pela sociedade a qual faz parte, ou ainda, só pode reivindicar a liberdade, de acordo com as cláusulas estabelecidas no contrato social. A transformação do homem em cidadão, para Rousseau, é processada pelo legislador, o qual é considerado por ele como um Deus, pela necessidade de ser perfeito em legislar e exemplificar pelos seus atos.
A polícia é uma instituição do Estado encarregada da manutenção da ordem e da paz social. As violações praticadas por seus agentes são atribuídas a ele e as cobranças decorrentes de tais abusos, também. Não cabe aqui a responsabilização do indivíduo, mas do representante do Estado que, investido da autoridade e poder, agiu de forma arbitrária e violenta. Os delitos praticados pelos criminosos serão tratados sob a égide do direito penal e para tanto cabe o sistema de justiça criminal atuar. Porém, os atos ilegais praticados pelo Estado, nem sempre são objetos de responsabilização exemplar de seus agentes. Nesse sentido, os direitos humanos são evocados de forma intransigente, não só na esfera nacional, mas também com mecanismos internacionais de proteção.
Paulo Sérgio Pinheiro diz que uma violação isolada cometida por indivíduos privados ou grupo de pessoas, sem ligação com o Estado, obviamente não constitui violação de direitos humanos. Essa afirmativa, no entanto, só encontra eco se considerarmos que o único algoz, responsável por todas as violações dos Direitos Humanos, é o Estado, porém, não podemos esquecer que na sociedade moderna, o tecido social é esgarçado a todo o momento por uma rede paralela de poder que irremediavelmente afeta as relações entre os indivíduos e as instituições públicas e privadas, contribuindo para retirar dos cidadãos as garantias e liberdades preconizadas pelos institutos de proteção dos direitos humanos.
Entende-se que esta animosidade por parte dos policiais decorre do seu desconhecimento sobre a temática ou de sua discordância dos procedimentos práticos e legais de proteção desses direitos. A matéria Direitos Humanos até pouco tempo não fazia parte da grade curricular das escolas de formação policial no Brasil. O estudo nas polícias brasileiras surgiu da necessidade das instituições de segurança pública se adaptar aos novos tempos democráticos, os quais exigiam mudanças profundas na máquina estatal. As constantes denúncias de violações sistemáticas dos direitos humanos daqueles que estavam sob a custódia da polícia, as pressões sociais para a extinção de alguns órgãos de segurança pública que desrespeitavam os direitos inalienáveis à vida e a integridade física, tudo isto trouxe consigo a necessidade de buscar tais soluções.
Ocorre, contudo, que o tema Direitos Humanos é apresentado de forma utópica, sem nenhum conteúdo prático para atividade profissional do cidadão policial, e o que é pior, sem uma indicação metodológica que o transporte do campo filosófico para o real. Apesar disso, no entanto, podemos afirmar hoje que o policial de uma forma geral ouviu falar de direitos humanos, mesmo que teoricamente, porém não vislumbra como esse discurso poderia ser incorporado a sua prática diária profissional, principalmente porque não percebe a dimensão pedagógica de sua profissão para a construção de uma sociedade democrática, restringindo-se a encarar sua atividade como a de um “caçador de bandidos” e “ lixeiro da sociedade”, como, aliás, a maioria da sociedade assim o tem.
Mais que simplesmente denunciar as violações dos direitos humanos praticados pelos policiais e clamar pela prisão dos violadores, há de se buscar discutir ações efetivas de redução dessa prática, ou seja, construir o método para modificar a cultura de violência e repressão existente, não só no entremeio policial, mas na sociedade como um todo. Inclui-se nesse viés a reformulação dos métodos de treinamento e técnicas de emprego da força policial. Ou ainda, que tenham na polícia uma aliada na construção de uma sociedade cidadã, promovendo esforços que visem contribuir para as mudanças no aparelho policial e na valorização dos seus integrantes. Estes são os legítimos representantes do poder de um Estado democrático e indivíduos também sujeitos de direito e proteção.
Essa é a ótica pela qual o policial deve haver-se. No exercício de sua profissão, incorpora o poder e a responsabilidade emanada pelo Estado e para tal é responsabilizado. Conhecedor do histórico da luta política dos Direitos Humanos para se afirmar como instrumento de proteção dos fracos contra o poder do Estado, o policial claramente identificará seu papel nesse cenário, não dispondo mais de argumentos para afirmar que Direitos humanos é só para proteger bandido. Reconhecendo-se também como cidadão, sujeito à violência desse Estado, compreenderá que ele também é carente de proteção.
BIBLIOGRAFIA
COMPARATO Fábio K. Fundamentos dos Direitos Humanos: NET, seção Direitos Humanos – Textos e reflexões. Disponível em http://www.dhnet.org.br acesso em Ago2008.
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, São Paulo : Abril Cultural, 1983.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato Social (1757), São Paulo : Abril Cultural, 1985.
PINHEIRO Paulo Sérgio. Direitos Humanos contra poder: NET, seção Direitos Humanos – Textos e reflexões. Disponível em http://www.dhnet.org.br acesso em Ago2008.
*Bacharel e Especialista em Segurança Pública, com Extensão em Análise Criminal (Instituto de Ensino Superior de Brasília). Oficial da Polícia Militar de Sergipe.